Amanda “Amd” Abreu, jogadora de Counter-Strike
O Brasil é, definitivamente, um país de apaixonados por games. Uma pesquisa da Comscore divulgada em julho do ano passado revelou que a população digital brasileira é composta por, aproximadamente, 120 milhões de internautas. Destes, 84 milhões – ou quase 70% – são adeptos dos jogos eletrônicos, o que confere à categoria a 13ª colocação entre as 29 que fazem parte do levantamento. No que diz respeito às horas gastas por mês em cada uma delas, os jogos online aparecem no top 5, atrás apenas das mídias sociais, diversos, entretenimento e serviços, com quase 10 horas. Esse média dá ao país o 5º lugar no ranking mundial, superado apenas por Estados Unidos (19h58), Canadá (13h17), Reino Unido (12h16) e Espanha (11h06).
O número de horas gastas deve aumentar no próximo levantamento, já que a pandemia de Covid-19 obrigou as pessoas a permanecerem em casa. “Os games estão se mostrando muito importantes para o período de confinamento, pois alteram a percepção de tempo”, diz Ana Erthal, especialista em sensorialidade e games da ESPM Rio. “Além disso, podem nos desconectar da enxurrada de informações que recebemos em outras mídias, conectam pessoas a distância e é uma atividade que promove aprendizagens cognitivas e sinestésicas.”
Já do ponto de vista de gênero, a equação é bem equilibrada: 49% são jogadoras e 51% jogadores. Essa representatividade em um mercado que movimenta, anualmente, US$ 1,5 bilhão por aqui, tem feito com que a presença das mulheres aumente nos últimos anos nas mais diversas posições do setor. Há cada vez mais meninas competindo e buscando carreira nessa indústria. Mas nem sempre foi assim.
Para Ari Parra, 31 anos, que começou a gostar de games ainda na infância, a trajetória foi cheia de desafios. “Eu sempre me interessei por matérias de exatas e tecnologia, e isso fez com que eu cursasse engenharia. Nessa época, eu percebi que tinha muitos amigos que gostavam de games também, mas nenhuma mulher que compartilhava desses interesses na minha roda de amizades”, conta. Anos depois, Ari resolveu entrar de uma vez neste universo e fez um curso de game design. “Foi então que eu percebi que não era só jogando que eu não encontrava essa representatividade, no desenvolvimento de jogos também”, lembra.
Para ajudar a endereçar o problema, Ari criou, em 2014, a Women Up Games. “Meu objetivo era unir todas as mulheres e outros grupos subrepresentados que se sentiam como eu, sem espaço na indústria, seja nos campeonatos, seja nas propagandas de jogos e até nas empresas desenvolvedoras”, diz ela, que promove uma série de palestras, workshops e oficinas para tratar do tema e conectar essas mulheres, criando uma grande rede.
Aos 26 anos, Amanda “Amd” Abreu é jogadora profissional pela Havan Liberty, organização brasileira de e-sports e já foi sete vezes campeã do mundial feminino de Counter-Strike, uma série de jogos eletrônicos de ação. Neles, as equipes de contraterroristas e terroristas devem se enfrentar até a eliminação completa de um dos times, e o objetivo principal é plantar e desarmar bombas, sequestrar e salvar reféns.
Com um calendário repleto de torneios ao longo do ano, o game reúne uma comunidade de fãs engajados, premiações milionárias e players do mundo todo. “Conheci o mundo dos jogos em 2012: assistia a muitos campeonatos, mas ainda era uma hobbie. Naquela época, eu gostava de ir para as lan houses jogar CS 1.6 por diversão, até que participei do meu primeiro campeonato e descobri que era isso que eu queria pra minha vida”, relembra.
Em 2017, seu time – o Bootkamp FEM – atingiu a melhor posição até o momento no ranking de CS:GO (Counter-Strike: Global Offensive) da HLTV Regional. A equipe foi até Jönköping, na Suécia, para defender as cores do Brasil no ESU Masters 2017. No ano passado, Amd tornou-se a única jogadora mulher a ter uma skin em sua homenagem dentro do jogo. Ela também já atuou como comentarista dos principais campeonatos brasileiros de Counter-Strike, como o Tribo To Major, GamersClub Masters e GirlGameFestival, e hoje possui parcerias com a Intel e patrocínios da Dt3, Nvidia e Fallen.
“[Ser mulher no mundo dos games] é ter que lutar 10 vezes ou mais para conquistar o que um homem consegue. Ainda existe muita carga cultural, toxicidade e muita gente não acredita no potencial das mulheres. Isso está melhorando, mas ainda é preciso desconstruir muita coisa. Afinal, jogos online não dependem da nossa capacidade física, e sim psicológica: somos todos iguais por trás do mouse”, argumenta.
Nos próximos anos, Amanda pretende retornar ao topo do cenário competitivo do Counter-Strike, além de criar sua própria organização de esportes eletrônicos, com lineups femininas e um staff composto exclusivamente por mulheres.