Consulta pública recebe sugestões sobre taxonomia sustentável no país

Até o dia 31 de março, a população brasileira pode opinar sobre a proposta de Taxonomia Sustentável Brasileira (TSB) para classificação das atividades econômicas e ativos financeiros do país de acordo com a contribuição para os objetivos climáticos, ambientais e sociais. O objetivo da nova ferramenta do Plano de Transformação Ecológica do governo federal é auxiliar o país na transição para uma economia de baixo carbono.

No contexto das Finanças Sustentáveis, a taxonomia pode ser definida como um sistema de classificação que compreende um conjunto de critérios construídos com o objetivo de definir atividades e setores econômicos com maior contribuição para uma economia mais integrada ao meio ambiente, com menos emissão de gases de efeito estufa e com impactos sociais positivos.

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Atividades econômicas ilegais ampliaram desmatamento na Mata Atlântica.Governo abre consulta sobre plano para resíduos orgânicos urbanos.Brasil é estratégico para transição energética do mundo, diz agência.A consulta pública é parte do processo de construção da TSB e foi dividida em duas etapas. A primeira disponibilizou os termos gerais como objetivos climáticos por setor produtivo e objetivos econômico-sociais. Na segunda fase, que terá início no dia 17, também serão disponibilizados critérios técnicos de mitigação e adaptação.

O Comitê Intergovernamental da Taxonomia Sustentável Brasileira, colegiado integrado por 27 ministérios, tem promovido uma série de encontros com especialistas, integrantes do comitê consultivo de apoio ao grupo de trabalho, além de representantes de diversos setores da sociedade. Os participantes trabalham na construção de contribuições que possam atender às demandas sociais de habitação, saneamento, destinação de resíduos sólidos urbanos e energia elétrica, ainda não alcançadas pela proposta.

Segundo a diretora da Associação Soluções Inclusivas Sustentáveis (SIS), Luciane Moessa, que integra o comitê consultivo, a ferramenta ainda é muito nova no país e as organizações da sociedade civil ainda estão se inteirando sobre o tema. Para ela é preciso garantir que os setores econômicos conheçam e participem da construção da TSB.

“Classificar atividades econômicas sustentáveis numa taxonomia pensada para uso do setor financeiro tende a aumentar o fluxo de crédito, investimentos e seguros para as atividades que sejam enquadradas nela. Se a gente fizer essas definições da forma correta, contribuímos para uma transição de atividades que precisam ser paulatinamente deixadas de lado ou transformadas para outras que são sustentáveis no longo prazo”, explica.

Para o assessor político e especialista em transição energética do Instituto de Estudos Socioeconômicos (Inesc), Cássio Carvalho, o momento de construção da ferramenta precisa ser antecedido pela revisão das normativas de alguns setores, para que determinadas atividades econômicas possam ser consideradas verdes ou renováveis.

“Não é possível a gente classificar um empreendimento como sustentável para que ele possa ter acesso a financiamento, a crédito, a sistemas creditícios, subsídios, sendo que pode estar violando, por exemplo, direitos humanos, ou que esteja perpetuando injustiças energéticas”, explica.

O sistema de taxonomia brasileiro segue critérios específicos estabelecidos pela Associação Internacional de Mercado de Capitais (em inglês International Capital Market Association – ICMA), e também é alinhado aos objetivos climáticos, ambientais e sociais estabelecidos pelas políticas públicas do governo federal.

Para Luciane Moessa, é necessário não perder de vista o papel do setor financeiro na redução das desigualdades sociais, mitigação e adaptação às mudanças climáticas, sendo necessário fortalecer atividades econômicas com impactos positivos como manejo de florestas nativas, restauração florestal e agricultura orgânica, por exemplo. “Pensamos que a proposta do governo, como construída até agora, deixa a desejar nos objetivos sociais de redução das desigualdades, e tem falhas graves sobretudo nas definições para o setor primário da economia, em que a seleção de atividades foi feita pensando mais na pauta de exportações do que na sustentabilidade das atividades”, diz Luciane.

Agricultura

No setor da agricultura, por exemplo, a especialista entende que para incluir um tipo de cultura é necessário antes compreender se a atividade a qual ela está relacionada é sustentável. “Atividades com impactos positivos não foram incluídas, ao passo que produção de soja e eucalipto sim, sem mencionar a barbárie da inclusão de pulverização aérea de agrotóxicos, que é proibida em vários países, e também em estados e municípios brasileiros”, cita.

De acordo com Matias Cardomingo, coordenador-geral de análise de impacto ambiental do Ministério da Fazenda, nessa etapa o objetivo é uma ampla discussão para pactuar a ferramenta e pacificar as metodologias de bonificação de práticas sustentáveis na concessão de crédito. “A ideia foi também aproveitar aqueles maiores fluxos financeiros, seja negociação de ações, seja lançamento de novos instrumentos, e conseguir direcionar recursos para os setores que têm as melhores práticas, os setores que adotam a maneira de produzir mais alinhada com aquilo que a gente está colocando como oportunidades para o enfrentamento da crise climática”, explica.

Para o representante da Confederação Nacional dos Trabalhadores na Agricultura (Contag), José Arnaldo Brito, a atividade da agricultura familiar, por exemplo, precisa fazer parte da taxonomia por uma questão de segurança alimentar. E também para que o processo de adaptação das áreas rurais tenha um olhar especial para questões como habitação e sucessão no campo. “A gente está vendo aí as emergências climáticas, elas estão e vão ser constantes, não tem como, a princípio, reverter esse quadro. O grande desafio é como a gente adapta essa questão das mudanças climáticas a partir do olhar daquelas pessoas que estão na preservação, na manutenção e também na restauração do meio ambiente”, diz.

Cardomingo explica que embora a ferramenta tenha preceitos internacionais, ela precisa ser adaptada aos critérios regionais e ao estágio de adoção de medidas sustentáveis em cada setor econômico. “Mesmo para a linha da agricultura familiar do Pronaf [Programa Nacional de Fortalecimento da Agricultura Familiar], essas culturas maiores como a da soja e do milho são muito relevantes no total do crédito concedido”, diz.

Trabalhadores

A representante do Departamento Intersindical de Estatística e Estudos Socioeconômicos (Dieese) no conselho consultivo, Renata Belzunces, vê na construção da ferramenta uma oportunidade de qualificar a proteção ao trabalhador. A especialista entende que as garantias legais já estão postas no país, mas as atividades que forem inseridas na TSB precisam atuar dentro dos preceitos legais. “Nós avaliamos que os trabalhadores têm todo o interesse em que os empregos estão naquelas atividades que serão indicadas como aderentes à taxonomia sustentável sejam empregos decentes, sejam empregos que obedeçam aqueles preceitos da OIT [Organização Internacional do Trabalho], reforça.

Para que isso ocorra, Renata acredita que os critérios para seleção das atividades econômicas que serão classificadas pela ferramenta devem ir além da visão econômica, além das visões social e ambiental, para que sejam efetivamente sustentáveis. “Em todos os países do mundo, a mineração ficou de fora das taxonomias, à exceção de Brasil, Austrália e Canadá. Na nossa visão, a mineração talvez não devesse participar da TSB, porque ela causa danos irreversíveis ao meio ambiente e não tem observância ali bem clara da norma regulamentadora 22, que é um grande ponto de discussão com os trabalhadores do setor”.

Habitação

Há ainda atividades que são consideradas sustentáveis pelo aspecto ambiental e econômico, mas por falta de regulamentação afetam direitos humanos fundamentais como a habitação. Segundo Cássio Carvalho, um exemplo é o capítulo de energia e gás, que ao tratar na geração eólica desconsidera o distanciamento dos aerogeradores para os domicílios. “Em alguns países europeus esse distanciamento é de 2 quilômetros. No Brasil, a gente tem visto casas que estão embaixo das hélices das máquinas de aerogeradores”, relata.

Para Carvalho, o esperado é que esses casos mais específicos sejam documentados na área destinada às salvaguardas socioambientais que constarão na segunda etapa da consulta pública que será disponibilizada nesta segunda-feira (17).

Apesar de a consulta ser disponibilizada em duas etapas, Matias Cardomingo ressalta que todo o conteúdo permanecerá aberto à participação popular até o final do prazo, no fim de março. Após o prazo, as contribuições serão sistematizadas e ainda avaliadas junto às instituições de representação social presentes no comitê consultivo. O documento final está previsto para ficar pronto no segundo semestre de 2025.

Cardomingo explica que novas atividades serão inseridas após essa versão, com a abertura para o debate de novos objetivos, como transição para economia circular, por exemplo. “Ser um documento vivo é muito importante na ideia de taxonomias, porque, por um lado nós vamos precisar avançar para os outros objetivos ambientais e climáticos. Agora a gente está focando em mitigação e adaptação, além dos objetivos sociais, que terão o próprio indicador de redução de desigualdades de gênero e raça, mas nós temos vários outros objetivos”, conclui.

Fabíola Sinimbú – Repórter da Agência Brasil

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