Se fosse uma aula de Direito Constitucional ou Penal, talvez começássemos assim: qual é a primeira garantia processual de um réu? — O devido processo legal, claro. Depois, avançaríamos para o contraditório e a ampla defesa, pilares inegociáveis do Estado Democrático de Direito.
Pois bem. O voto do ministro Luiz Fux parece ter feito exatamente esse roteiro, lembrando que não basta ao Estado julgar: é preciso julgar corretamente, com competência definida e com tempo real para que a defesa atue. O curioso é que, em um julgamento carregado de simbolismo político e midiático, o ministro resolveu falar de… técnica.
E aqui mora a ironia: enquanto o relator e outros ministros buscam caracterizar dois crimes distintos — tentativa de golpe de Estado e tentativa de abolição violenta do Estado Democrático de Direito —, Fux lembrou algo quase infantil no plano jurídico: o golpe seria apenas o meio para se chegar ao fim. Não se pune duas vezes o mesmo caminho. É o velho princípio da consunção, que qualquer aluno de terceiro semestre já estudou.
Mas o processo, ao que parece, prefere ignorar a dogmática penal e caminhar por um terreno mais… criativo. A criatividade é ótima para a literatura, mas desastrosa para a segurança jurídica.
Outro ponto que rendeu aula: Fux destacou que a defesa não teve prazo razoável para analisar todo o material probatório. Em linguagem simples, foi como se entregassem uma biblioteca inteira para ser lida em poucos dias — e depois cobrassem a interpretação minuciosa de cada página. Claro, a resposta da Corte foi de que a defesa deveria ter “se virado”. Ironia maior? É justamente esse cerceamento que abre espaço para a nulidade.
O ministro ainda ousou levantar a tese da incompetência do Supremo para julgar diretamente o caso. Eis aqui um detalhe quase esquecido em meio à espuma política: competência não é questão de conveniência, é questão de Constituição. Mas quem se preocupa com competência quando a pressa política fala mais alto?
Se fosse uma prova oral, o voto de Fux renderia nota alta. Mostrou que existe ainda um compromisso com a dogmática, com o processo penal como ciência, e não como espetáculo. Mas, na prática, foi voto vencido — ou quase.
A ironia final é essa: um processo que deveria ser a vitrine do Estado de Direito corre o risco de ser lembrado como o seu avesso, onde princípios foram tratados como detalhes incômodos. Talvez, no futuro, quando esse julgamento virar estudo de caso nas faculdades, os alunos concluam que a maior tentativa de abolição do Estado Democrático de Direito não foi a dos réus, mas a do próprio processo contra eles.