Adolescência e a normalização do inaceitável

Ser jornalista é observar a sociedade com lupa e expor suas fissuras. E a série Adolescência, da Netflix, nos obriga a encarar uma delas: a cultura da impunidade masculina travestida de narrativa psicológica.

O enredo traz Jamie, um garoto de 13 anos que assassinou uma colega. E, como já se tornou previsível em histórias que tentam “humanizar” criminosos, a culpa não é bem dele, mas de um ambiente disfuncional, das circunstâncias, da falta de orientação, da sociedade que não o acolheu. Um roteiro já gasto, mas que segue sendo reciclado porque a audiência parece disposta a perdoar um menino branco e aparentemente ingênuo.

Mas um detalhe específico dessa narrativa corta como lâmina: Jamie se aproveitou da fragilidade de uma colega após um vazamento de fotos íntimas. A lógica dele? Mulheres vulneráveis são alvos mais fáceis. Quando isso é dito de forma quase natural, como uma justificativa aceitável, a série revela, talvez sem querer, o óbvio: esse pensamento não é uma aberração isolada. É um reflexo de uma cultura que ensina meninos a enxergar fragilidade feminina como oportunidade.

O mais irônico – ou talvez trágico – é que Jamie tenta validar seu próprio comportamento com uma mulher, a psicóloga. Porque, afinal, se uma mulher o perdoar, se uma mulher o entender, então ele não pode ser tão ruim assim, certo? Esse jogo de manipulação emocional, de tentar parecer “menos pior” ao invés de ser responsabilizado, é tão antigo quanto eficiente. E a série, ainda que mostre isso de maneira crítica, não deixa de alimentar a mesma estrutura que denuncia.

A ficção tem um poder incrível de jogar luz sobre problemas reais. Mas quando ela reforça a normalização do inaceitável, não está apenas contando uma história – está compactuando com ela.

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