O anúncio de um reservatório de petróleo no pré-sal da Bacia de Santos, no último dia 4, provocou queixa da Federação Única dos Petroleiros (FUP). Não que a instituição que representa trabalhadores da indústria do petróleo seja contra a exploração, mas é que o anúncio foi feito pela multinacional britânica BP Energy.
A empresa classificou a descoberta como “significativa” e afirmou ser a maior da companhia em 25 anos. O reservatório anunciado fica no bloco Bumerangue, a cerca de 400 metros da costa do Rio de Janeiro. Para efeito de comparação, é quase a distância entre as cidades do Rio e de São Paulo (417 km).
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A insatisfação da FUP é pelo fato de o bloco pertencer cem por cento à BP, sem participação da Petrobras. O direito de explorar o bloco foi arrematado em 2022, em leilão da Agência Nacional do Petróleo, Gás Natural e Biocombustíveis (ANP), órgão regulador da indústria do petróleo, vinculado ao Ministério de Minas e Energia (MME).
Em comunicado divulgado após o anúncio de Bumerangue, a FUP considera que a descoberta mostra “os riscos da entrega do pré-sal ao capital estrangeiro e os retrocessos causados pela flexibilização do regime de partilha”.
“A operação reforça a perda de controle nacional sobre recursos estratégicos”, diz o coordenador-geral da entidade, Deyvid Bacelar.
Mudança na lei
Bacelar critica a Lei 13.365, de 2016, que desobriga a Petrobras de ser operadora de todos os blocos do pré-sal. O texto alterou uma legislação de 2010, fazendo com que a Petrobras tenha o chamado direito de preferência, isto é, pode escolher se quer ou não ser operadora. Em caso positivo, terá participação de ao menos 30% do consórcio explorador.
À época, os defensores da mudança diziam que desobrigar a Petrobras de ser operadora de todos os blocos seria um alívio para a situação financeira da companhia, que enfrentava grave crise em 2016, na esteira da Operação Lava Jato, e apresentava dificuldade para investir. O então presidente da estatal, Pedro Parente, entendia que a obrigatoriedade impedia a empresa de escolher as opções que atendessem melhor ao interesse dela.
Para a FUP, a flexibilização abriu espaço para importantes descobertas pelas petroleiras internacionais. A representação de trabalhadores aponta ainda que a mudança fez com que blocos pudessem ser arrematados com menor ágio, ou seja, pagando mais barato.
Em Bumerangue, a BP ofereceu à União parcela de óleo excedente de 5,9%, caracterizando ágio de 4,24%. Ágio é a diferença entre o excedente mínimo exigido pelo leilão e o oferecido pelo lance.
“A mesma BP ofertou apenas 6,5% no bloco Tupinambá, arrematado em 2023, consolidando uma tendência de baixa compensação ao país e alta concentração de exploração por empresas estrangeira”, diz Deyvid Bacelar.
Como funciona o leilão
A descoberta do pré-sal foi tão significativa para o potencial de produção de petróleo brasileiro que levou o governo ─ com o aval do Congresso nacional ─ a mudar o regime que autorizava as empresas a explorarem a riqueza submersa.
Dessa forma, nas áreas de pré-sal vigora o regime de partilha. Nesse modelo, além de a petroleira pagar o chamado bônus de assinatura, a produção de óleo excedente (saldo após pagamento dos custos) é dividida entre a empresa e a União.
Quando é realizado o leilão, vence o direito de explorar a companhia que oferece a maior parcela de lucro à União, ou seja, maior percentual do excedente. As empresas pagam também royalties.
Essa regra é diferente do modelo de concessão, válido nos demais blocos de óleo e gás. No modelo tradicional, o risco de investir e encontrar – ou não – petróleo é da concessionária, que se torna dona de todo o óleo e gás que venham a ser descobertos. Além do bônus de assinatura ao arrematar o leilão, a petrolífera paga royalties e participação especial (no caso de campos de grande produção).
Tanto no leilão de Bumerangue quanto no de Tupinambá, a BP disputou sozinha. Em Tupinambá, o ágio foi de 33,20%.
Indústria defende modelo
A indústria do petróleo defende o modelo atual, com a Petrobras tendo apenas o direito de preferência. Procurado pela Agência Brasil, o Instituto Brasileiro de Petróleo e Gás ─ que representa empresas do setor, entre elas a Petrobras ─ afirmou que a atual política brasileira de exploração e produção de óleo e gás, que prevê a presença de múltiplos operadores, tem demonstrado resultados positivos.
“A atuação de vários operadores, inclusive no pré-sal, permite aumentar o conhecimento geológico da região, acelerar a exploração e maximizar o potencial da bacia”, defendeu o presidente do IBP, Roberto Ardenghy.
“O IBP defende que a presença de diversas empresas, nacionais e internacionais, com suas diferentes tecnologias e expertises, distribui o risco, promove maior competição, atrai investimentos e, consequentemente, amplia a arrecadação de royalties e participações especiais para o país. Isso resulta em maior valor para a sociedade brasileira”, completou.
A Agência Brasil pediu comentários à Petrobras sobre o modelo atual de preferência sem obrigatoriedade, mas não recebeu retorno. Na última sexta-feira (8), durante teleconferência com analistas e investidores, a presidente da companhia, Magda Chambriard, foi questionada sobre participação em outros tipos de leilão, como o de áreas não contratadas (quando o governo vende direitos de produção de campos ainda não contratados). Na resposta, Chambriard afirmou que “a empresa estará sempre presente em toda e qualquer oportunidade de leilão da ANP”.
“O território brasileiro é nossa casa e, quando se oferta áreas do pré-sal, então, nem se fala, claro que estaremos presentes do leilão, é do nosso interesse”, respondeu.
Entretanto, Magda Chambriard ponderou os interesses da empresa. “Independentemente de qualquer coisa, isso só vai acontecer se fizer sentido econômico para nós. Ninguém aqui está pensando em nenhuma aventura desmedida. Se o projeto for bom, se o projeto estiver valendo a pena e se estiver previsto no nosso plano de negócios, é essa direção que vamos seguir”, afirmou.
Procurada pela Agência Brasil, a ANP afirmou que não cabe à instituição, enquanto agência reguladora, comentar leis aprovadas pelo Congresso. “A ANP cumpre a legislação em vigor e implementa políticas emanadas do governo”, disse em nota.
O MME não respondeu ao pedido de comentários.
Prós e contras
O professor Geraldo Ferreira, do Departamento de Engenharia Química e Petróleo da Universidade Federal Fluminense (UFF), lembrou que a alteração na lei e na postura da Petrobras se deu após mudança de governo, com a presidência de Michel Temer (2016-2018), o que Ferreira classifica como “mais orientada para o mercado”.
“A gestão da Petrobras também é trocada para ficar em sintonia com os novos tempos do mercado”, diz o professor, que cita prós e contras na mudança de legislação.
Ele assinala que, desonerando a Petrobras de ter que investir em todas as áreas, há uma flexibilidade que permite “desenvolvimento mais rápido onde a empresa não priorizaria”.
Por outro lado, Ferreira acredita que há “enfraquecimento do controle estratégico do setor de óleo e gás pelo Estado brasileiro”.
Entre os efeitos desse enfraquecimento estão “menor participação governamental por barril em alguns contratos, coordenação mais fraca para a política industrial e maior risco de subfinanciamento do Fundo Social — especialmente em empresas de petróleo com lances baixos, como a Bumerangue”.
O Fundo Social foi criado para que parte dos recursos que o governo arrecada no pré-sal seja destinada a áreas como saúde, educação e meio ambiente.
Para Ferreira, o atual cenário é mais favorável a empresas estrangeiras e isso, não necessariamente, é um incentivo para a indústria brasileira do petróleo.
“Somente se combinada com condições firmes e inteligentes que transformem a presença de operadores estrangeiros em capacidade doméstica, provendo a industrialização, formação de recursos humanos e absorção de tecnologia”, diz.
Caso contrário, completa o especialista da UFF, o Brasil será mero exportador de commodities (matérias-primas negociadas em larga escala e com preços internacionais). “Como ocorre desde o passado, sendo exemplos o ouro e diamante em Minas Gerais no século 19”, acrescenta.
Ferreira acredita também que a não onipresença da Petrobras no pré-sal resulta em “não haver mais garantia de liderança na coordenação do desenvolvimento de vários blocos, com planejamento e implantação associada de infraestrutura”.
Outros leilões
O próximo leilão de exploração será daqui a pouco mais de dois meses. É o 3º Ciclo da Oferta Permanente de Partilha, marcado para 22 de outubro. Estarão em disputa 13 blocos exploratórios, localizados nas bacias de Santos e Campos.
Quinze empresas se habilitaram, entre elas as brasileiras Petrobras, Prio e 3R (Brava Energia), e as multinacionais Chevron (Estados Unidos), Ecopetrol (Colômbia), Equinor (Noruega), Petrogal (Portugal), Petronas (Malásia), QatarEnergy (Catar), Shell (anglo-holandesa), Total Energies (França), Karoon (Austrália), além das chinesas Cnooc e Sinopec.
Em junho, a ANP realizou o leilão do 5º Ciclo da Oferta Permanente de Concessão, que incluía áreas na Foz do Amazonas, na Margem Equatorial, região considerada “o novo pré-sal”, com expectativa de grandes descobertas. A Petrobras já detém blocos na região, mas ainda precisa de autorização do Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (Ibama), autoridade ambiental ligada ao Ministério do Meio Ambiente e Mudança do Clima.
Foram oferecidos 19 blocos na região, sendo a Petrobras um dos destaques, com 10 áreas arrematadas, todas em consórcio com a americana ExxonMobil. Nove blocos foram adquiridos pela Chevron em consórcio com a chinesa CNPC.
Bruno de Freitas Moura – Repórter da Agência Brasil