O pedacinho de galho transformou-se em pincel para o artista plástico Alexandre Silva, de 45 anos. Ele chegou à Esplanada dos Ministérios, em Brasília, Distrito Federal, às 6h30 com a imagem de Maria desenhada no papel e em sua cabeça. Os contornos, no final da manhã desta quinta (19), ganharam a forma de tapete para a celebração de Corpus Christi. Para ele, o significado é emocionante. Não é apenas um desenho coberto de serragem, palha de arroz, borra de café, sal e tinta. As cores têm tonalidades de recomeço.
Ele diz que a vida teve reviravolta depois de adentrar no movimento hip hop e também pela fé. Morador de Ceilândia, a mais populosa região administrativa do Distrito Federal, e de área de periferia, Alexandre recorda, enquanto desenha, que a adolescência foi feita de imagens de violência.
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“Eu fazia parte de uma gangue que entrava em conflito com outros gangues. Até os 18 anos, muitos dos meus amigos morreram”.
Apoio
Com medo, o artista foi encaminhado por um familiar para o Movimento Jovens Organizando e Instituindo Amor (Joia), ligado à arquidiocese local. “Eu não queria inicialmente, mas se tornou importante para mim”. Outro caminho dele, além da fé, foi o apoio de mais artistas de Ceilândia, do hip hop.
O presidente do grupo, Getúlio Silva, de 48 anos, que é comerciário, ficou emocionado com a montagem da arte. Com as mãos cobertas de luva e serragem, lembrou quando a fé, segundo ele, teria feito a diferença: na ocasião em que a filha de oito meses de vida foi operada do coração. “Hoje ela tem 22 anos”.
Artes na Esplanada
Histórias como essa compõem o tapete de 130 metros de comprimento (por quatro de largura) em que cerca de 500 pessoas, sendo a maioria de jovens de pelo menos 25 grupos, se envolveram diretamente para a celebração da data na capital.
O tapete e o altar foram montados no gramado central da Esplanada. Está previsto para às 16h40 que o cardeal arcebispo de Brasília, Dom Paulo Cézar Costa e religiosos passem pelo tapete em direção à missa, às 17h.
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Inclusão
Eles vão passar pelo tapete que é feito de trajetórias como a do professor de filosofia Mateus Salgado, de 31 anos, que é surdo, e projetou com a esposa, Karla Watanabe, de 30, (que é ouvinte) o desenho de mãos reunidas, como um sinal de pedido de inclusão (a Deus e à sociedade).
Primeiro, desenharam no papel. Depois no computador. Quem colocou no chão de terra foi outro integrante da pastoral dos surdos, Gustavo Bustamante, que gosta de desenhar, mas é digitador no dia a dia.
“A sociedade precisa abraçar mais os surdos. Eles são muito esquecidos. A gente precisa utilizar toda a forma de dar visibilidade à luta deles”, diz Karla. O marido estava comovido com o desenho que virou tapete de Corpus Christi. “Eu sinto emoção de transmitir o que queremos dizer”.
Juventude
Mais à frente, grupos de jovens dançavam, cantavam e tocavam violão com músicas que falavam sobre fé, amor, união e reconciliação. Um dos tapetes, com símbolo de eucaristia, era feito por jovens de Samambaia Sul, outra região periférica nas cercanias da capital.
A estudante de nutrição Rafaela Almeida, de 21, é catequista no bairro e testemunha que a fé impede os caminhos tortuosos para as drogas e crimes. “Todos precisam de apoio uns dos outros. Quando fazemos o tapete, é também dessas transformações que passamos”.
Luiz Claudio Ferreira – Repórter da Agência Brasil