A Cúpula dos Povos, evento paralelo à 30ª Conferência das Nações Unidas sobre Mudanças Climáticas (COP30), terminou neste domingo (16), com palavras de encorajamento do cacique Raoni Metuktire. Em uma mensagem aos participantes, a liderança indígena lembrou que vem chamando atenção do mundo há décadas para a destruição do meio ambiente, das florestas e dos modos de vida de povos originários e ancestrais.

“Há muito tempo, eu vinha alertando sobre o problema que, hoje, nós estamos passando, de mudanças climáticas, de guerras”, disse Raoni.
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“Mais uma vez, peço a todos que possamos dar continuidade a essa missão de poder defender a vida da Terra, do planeta. Eu quero que tenhamos essa continuidade de luta, para que possamos lutar contra aqueles que querem o mal, que querem destruir a nossa terra”, completou.
Raoni também criticou os conflitos e guerras ao redor do mundo e cobrou mais amor e defesa da vida. “Há muito tempo, eu venho falando para que possamos ter respeito um com o outro e possamos viver em paz nessa terra”, conclamou.
Após os cinco dias de debates, mobilizações e manifestações que marcaram Belém, a cúpula termina com um “banquetaço”, na Praça da República, no centro da capital paraenses, com a distribuição de comida, feita pelas cozinhas comunitárias e celebração cultural aberta ao público.
No ato encerramento da Cúpula dos Povos, foi lida uma carta final, criticando o que os participantes classificaram como “falsas soluções” para o enfrentamento da emergência climática.
“Nossa visão de mundo está orientada pelo internacionalismo popular, com intercâmbios de conhecimentos e saberes, que constroem laços de solidariedade, lutas e de cooperação entre nossos povos”.
“As verdadeiras soluções são fortalecidas por esta troca de experiências, desenvolvidas em nossos territórios e por muitas mãos. Temos o compromisso de estimular, convocar e fortalecer essas construções”, diz o documento.
O documento foi entregue ao presidente da COP30, embaixador André Corrêa do Lago, que prometeu apresentá-lo nas reuniões de alto nível da COP, que serão realizadas a partir desta segunda-feira (17).
“Não há vida sem natureza. Não há vida sem a ética e o trabalho de cuidado. Por isso, o feminismo é parte central do nosso projeto político. Colocamos o trabalho de reprodução da vida no centro, é isso que nos diferencia radicalmente dos que querem preservar a lógica e a dinâmica de um sistema econômico que prioriza o lucro e a acumulação privada de riquezas”, continua o documento.
Capitalismo e crise climática
A carta aponta o modo de produção capitalista como causa principal da crise climática crescente e ressalta que as comunidades periféricas são as mais afetadas pelos eventos climáticos extremos e o racismo ambiental.
O texto lembra que as empresas transnacionais, a exemplo das indústrias de mineração, energia, das armas, agronegócio e as Big Techs, são as principais responsáveis pela catástrofe climática.
A carta pede a demarcação de terras indígenas e de outros povos; reforma agrária e fomento a agroecologia; fim do uso de combustíveis fósseis; financiamento público para uma transição justa, com taxação das corporações, agronegócio e dos mais ricos; e fim das guerras. Além disso, cobra maior participação dos povos.
“Cobramos que haja participação e protagonismo dos povos na construção de soluções climáticas, reconhecendo os saberes ancestrais. A multidiversidade de culturas e de cosmovisões, carrega sabedoria e conhecimentos ancestrais que os Estados devem reconhecer como referências para soluções às múltiplas crises que assolam a humanidade e a Mãe Natureza”.
Guerras
O documento critica ainda o avanço da extrema direita, do fascismo e das guerras ao redor do mundo e faz uma defesa da Palestina e de seu povo. A carta cita os bombardeios praticados pelo Estado “sionista” de Israel, o deslocamento forçado de milhões de pessoas e as dezenas de milhares de mortes de inocentes, a maioria crianças, mulheres e idosos.
“Nosso repúdio total ao genocídio praticado contra a Palestina. Nosso apoio e abraço solidário ao povo que bravamente resiste, e ao movimento de Boicote, Desinvestimento e Sanções (BDS)”, diz a carta.
O texto também faz críticas à ação militar dos Estados Unidos, no mar do Caribe, com o pretexto de guerra ao narcotráfico. Os integrantes da cúpula afirmam que ações como essa têm caráter imperialista de ameaça a povos e países da região e da África.
“O imperialismo segue ameaçando a soberania dos povos, criminalizando movimentos sociais e legitimando intervenções que historicamente serviram aos interesses privados na região. Nos solidarizamos à resistência da Venezuela, Cuba, Haiti, Equador, Panamá, Colômbia, El Salvador, República Democrática do Congo, Moçambique, Nigéria, Sudão, e com os projetos de emancipação dos povos do Sahel, Nepal e de todo o mundo”, diz a carta.
Participação popular
A Cúpula dos Povos reuniu cerca 70 mil pessoas de movimentos sociais locais, nacionais e internacionais, povos originários e tradicionais, camponeses/as, indígenas, quilombolas, pescadores/as, extrativistas, marisqueiras, trabalhadores/as da cidade, sindicalistas, população em situação de rua, quebradeiras de coco babaçu, povos de terreiro, mulheres, comunidade LGBTQIAPN+, jovens, afrodescendentes, pessoas idosas, dos povos da floresta, do campo, das periferias, dos mares, rios, lagos e mangues.
O evento, considerado o maior espaço de participação social da conferência climática, começou dia 12, em paralelo da COP30, com críticas a ausência de maior participação popular na COP30. Para as cerca de 1,3 mil organizações e movimentos que participaram da cúpula, países e tomadores de decisão, especialmente dos países ricos, têm se omitido ou apresentado soluções absolutamente ineficientes colocando em risco a meta de 1,5°C do Acordo de Paris.
Na abertura, foi realizada uma “barqueata” na orla da capital paraense, com centenas de barcos. Eles navegaram pela Baía do Guajará em defesa da Amazônia e dos povos tradicionais.
“Iniciamos nossa Cúpula dos Povos navegando pelos rios da Amazônia que, com suas águas, nutrem todo o corpo. Como o sangue, sustentam a vida e alimentam um mar de encontros e esperanças. Reconhecemos também a presença dos encantados e de outros seres fundamentais na cosmovisão dos povos originários e tradicionais, cuja força espiritual orienta caminhos, protege territórios e inspira as lutas pela vida, pela memória e por um mundo de bem viver”, diz a carta.
Ontem, cerca de 70 mil pessoas participaram da Marcha Mundial pelo Clima, manifestação que tomou as ruas de Belém com uma amostra expressiva da diversidade cultural e social do povo amazônico.
Luciano Nascimento – enviado especial

