CONTEXTO DAS AÇÕES PÚBLICAS DE ÁGUA E GÊNERO NO AMBITO DO SANEAMENTO RURAL.

 

RESUMO

Projetos de água e saneamento que levam em conta as diferenças de gênero podem desempenhar um papel significativo na melhoria da saúde, educação, bem-estar social, econômico e geral de mulheres e meninas e suas comunidades. Em muitas culturas, as mulheres e as meninas têm, por exemplo, a responsabilidade primária de coletar água para preparar alimentos, beber, tomar banho, lavar e são as principais cuidadoras de crianças, familiares doentes e idosos. A melhoria do acesso à água potável e instalações sanitárias localizadas a uma distância conveniente de casa pode desempenhar um papel importante para a qualidade de vida e segurança de mulheres e crianças e outros membros vulneráveis da comunidade. Assim, partindo de uma análise das ações de gênero existentes no âmbito do atual Programa Saneamento Brasil Rural – PSBR, o presente estudo apresenta uma reflexão acerca de ações que podem ser implementadas em uma estratégia de integração de gênero nas políticas públicas relacionadas à água e saneamento, a fim de alcançar resultados mensuráveis e impacto positivo na vida de mulheres e homens na zona rural.

Palavras-chave: Água, Gênero, Saneamento Básico Rural, Programa Saneamento Brasil Rural, Dados Desagregados de Gênero 

INTRODUÇÃO

Projetos de água e saneamento que levam em conta as diferenças de gênero podem desempenhar um papel significativo na melhoria da saúde, educação, bem-estar social, econômico e em geral, de mulheres e meninas em suas comunidades.

Em muitas culturas, as mulheres e as meninas têm, por exemplo, a responsabilidade primária de coletar água para preparar alimentos, beber, tomar banho, lavar e são as principais cuidadoras de crianças, familiares doentes e idosos.

A melhoria do acesso à água potável e instalações sanitárias localizadas a uma distância conveniente de casa pode desempenhar um papel importante para a qualidade de vida e segurança de mulheres e crianças e outros membros vulneráveis da comunidade.

Projetos de água e saneamento sensíveis ao gênero também podem promover o empoderamento econômico, uma vez que permitem, em particular, que a população vulnerável use o tempo economizado para atividades mais produtivas que podem levar a uma maior independência financeira (World Bank, 2018).

As palavras mais citadas e referenciadas na “Assembleia do Dia Internacional das Mulheres e Meninas na Ciência” de 2021, foram equidade, diversidade e inclusão, em especial na sessão cujo título “A Água Nos Une” nos remete a esta problemática. A assembleia reuniu mulheres em ciência e especialistas de todo o mundo, além de funcionários governamentais de alto nível, representantes de organizações internacionais e do setor privado para discutir o nexo da água na consecução dos três pilares do desenvolvimento sustentável: prosperidade econômica, justiça social e integridade ambiental.

Em seu discurso, Shamila Nair-Bedouelle, Diretora-Geral Adjunta de Ciências Naturais da UNESCO, enfatizou que alcançar a igualdade de gênero no setor de água seria essencial para alcançar tanto o quinto Objetivo de Desenvolvimento Sustentável (ODS) sobre igualdade de gênero quanto o sexto sobre água e saneamento.

“Os efeitos combinados da crise climática e da crise hídrica estão aprofundando desigualdades e o aumento da pobreza. Para quebrar o ciclo, precisamos garantir que mulheres e meninas estudem ciências e engenharia nas mesmas proporções que seus homólogos masculinos. Também precisamos garantir que, uma vez que as mulheres se formem e integram a força de trabalho, seu local de trabalho é livre de estereótipos ou discriminação. Isso exigirá políticas transformadoras.”

Shamila Nair-Bedouelle, Diretora-Geral Adjunta de Ciências Naturais da UNESCO

É consenso que a água desempenha um papel crucial em nossas sociedades como ´conector´ de diversas dimensões do desenvolvimento sustentável. Acesso à água, distribuição, gestão e governança são moldados por fatores, incluindo normas de gênero e relações de poder social.

Embora as mulheres estejam sub-representadas na tomada de decisões relacionadas ao processo decisório sobre temas relacionados à água, estas vêm de um crescente reconhecimento e aceitação de seu papel central na provisão, gestão e salvaguarda da mesma. Para entender e superar essas desigualdades, dados, capacidade o desenvolvimento e o compromisso de várias partes interessadas são cruciais.

Neste contexto cabe à academia trazer para sociedade uma reflexão do contexto do tema de gênero e água, saneamento e higiene, destacando o papel do empoderamento de todas as mulheres e meninas no âmbito das políticas públicas voltadas para essa temática, sem a dissociação de metadados coletados, mas a interrelação destes.

DESENVOLVIMENTO

Alcançar a igualdade de gênero no domínio da água é crucial em vista dos compromissos globais consagrados na Agenda 2030. Uma extensa análise realizada pelo World Water Assessment Programme (WWAP) da UNESCO com o apoio de um grupo de trabalho dedicado composto por especialistas de agências da ONU e representantes de agências de água dos Estados Membros, universidades e ONGs, mostrou que o progresso em direção à realização dessas promessas globais está fora do caminho: as desigualdades de gênero em domínio hídrico são profundos e persistem em todos os níveis, implicando sérias repercussões nos esforços internacionais para a consecução do desenvolvimento sustentável.

Alinhado com a “Prioridade de Igualdade de Gênero” da UNESCO, o WWAP facilita uma chamada de ação em larga escala para acelerar a igualdade de gênero no domínio da água, preenchendo a lacuna de dados e desenvolvendo ações concretas além de catalisar uma coalizão de várias partes interessadas compostas por agências da ONU, organizações internacionais e regionais, instituições dos Estados Membros e sociedade civil.

No Brasil, o diálogo entre as pautas do saneamento rural e a igualdade gênero estão ligados desde 1990, quando o Governo Federal criou a Fundação Nacional de Saúde (FUNASA), órgão executivo do Ministério da Saúde. Com a missão de “Promover a saúde pública e a inclusão social por meio de ações de saneamento e saúde ambiental” o órgão visa a inclusão social por meio de ações de saneamento e educação em saúde ambiental para prevenção e controle de doenças, cuidando do saneamento e da água (FUNASA,2022).

Dado o histórico déficit de acesso ao saneamento rural, a atual política de saneamento básico apontou a necessidade de elaboração do Programa Nacional de Saneamento Rural (PNSR). No ano de 2014, a FUNASA, , deu início ao processo de planejamento da formulação do PNSR e delineamento de uma primeira estrutura documental, tomando como referência as diretrizes do Plansab para o saneamento rural (FUNASA, 2021).

O antigo PNSR, hoje chamado de Programa de Saneamento Brasil Rural – PSBR reconhece que o ônus da precariedade da solução de abastecimento de água recai sobre as mulheres:

“Em muitos dos domicílios pertencentes às comunidades visitadas verificou-se a ausência de canalização interna de água. O transporte da água é realizado a partir de algum ponto afastado do domicílio, por meio de mangueiras ou baldes e latas, ou a partir de uma torneira que fica no exterior da habitação. Nesses casos, a água é armazenada em reservatórios improvisados, como tambores e baldes, sendo comum o uso simultâneo de reservatórios domiciliares e comunitários. Quando o volume acumulado é limitado, costuma haver a separação da água proveniente de fontes de melhor qualidade. É comum a presença de sistemas de abastecimento de água que atendem simultaneamente a diversas comunidades, sendo os rodízios praticados rotineiramente, ocasionando a falta d’água. Frente a essas situações adversas, destaca-se o papel das mulheres que, via de regra, nas comunidades visitadas, são as responsáveis pelas tarefas cotidianas relativas à provisão domiciliar de água. Por vezes, elas têm que se deslocar para lugares distantes e ermos e transportar a água até o domicílio, o que lhes impõe uma exposição maior a riscos de adoecimento e de violência.”  Fonte: PSBR – Pág. 97.

A pauta de gênero é tão importante pois define os papéis, responsabilidades e oportunidades das pessoas na sociedade e, muitas vezes, determina o potencial que elas podem alcançar. Isso faz com que mulheres e homens tenham diferentes conhecimentos, talentos, oportunidades e necessidades.

O gênero também determina a relação com a água porque molda as necessidades, o acesso, o uso e os benefícios em relação a esse recurso vital. Apesar dos aspectos de gênero da água e do saneamento estarem cada vez mais na vanguarda da agenda internacional, o papel fundamental destes grupos vulneráveis na gestão da água ainda está longe de se refletir em suas participação e representação no nível de governança.

A importância de se abordar a questão de gênero no saneamento rural é assegurada pelo Plano de Saneamento Brasil Rural – PSBR, porém ainda é precária a coleta de dados desagregados por gênero bem como a análise desses, assim como projetos regionais que efetivem a participação das mulheres de maneira igualitária.

Instrumentos de política, melhores práticas e métodos para superar esses desafios existem e podem ser prontamente implementados dentro de quadros políticos e financeiros propícios. Em particular, como vista ao PSBR, as ações devem estar atreladas aos quatro componentes de saneamento básico, sendo eles: abastecimento de água, esgotamento sanitário, manejo de águas pluviais e manejo de resíduos sólidos.

Dessa forma a implementação de uma estratégia de integração de gênero em políticas e práticas relacionadas à água e saneamento, a fim de alcançar resultados mensuráveis e impacto positivo na vida de todos na zona rural fará uma contribuição essencial para a realização das metas e diretrizes do PSBR bem como da agenda 2030 para o desenvolvimento sustentável.

Essas ações devem ter uma abordagem metodológica sólida e testada pelo WWAP para incluir efetivamente o tema da igualdade de gênero, empoderamento das mulheres, governança inclusiva e uma gestão melhorada (integrada) de recursos, inclusive em áreas rurais remotas.

Para isso deve ser considerado o eixo de capacitação como um sólido alicerce para o desenvolvimento das ações. Devem ser realizadas capacitações de técnicos em núcleos regionais, bem como de representantes dos municípios e das comunidades rurais. No centro dos debates deverá estar o papel de cada ator na gestão compartilhada dos sistemas de água e saneamento, tendo como foco as relações de gênero envolvidas e os quatro pilares do saneamento fortalecendo assim ações de educação, comunicação e capacitação local para apoio e disseminação de informações de gênero para a população rural.

Aliado ao eixo da capacitação, o poder público deve coletar e analisar metadados agregando a questão de gênero, em especial de grupos vulneráveis, bem como desenvolver metodologias e ferramentas para sua análise a fim da obtenção de indicadores representativos das ações de água e gênero.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Embora também seja importante para a avaliação de impacto, documentação de processos e análise do sucesso ou fracasso das políticas de água, a falta de dados desagregados por gênero torna difícil tirar conclusões firmes sobre o tipo de políticas que são apropriadas para os grupos vulneráveis (Ray, 2007).

Globalmente, quase 80% dos países produzem regularmente estatísticas desagregadas por gênero sobre mortalidade, participação na força de trabalho, educação e treinamento. No entanto, menos de um terço dos países desagrega suas estatísticas por gênero em relação à água e saneamento, emprego informal, empreendedorismo, violência e subtrabalho (Data2X, 2014).

Uma análise de gênero eficaz fornece dados contextualizados e uma compreensão da construção social dos papéis de gênero, como o trabalho é dividido e valorizado, e até mesmo comportamentos em determinados contextos. Isso é também o processo de análise de informações que contribuem com benefícios do desenvolvimento de intervenções para garantir que os resultados sejam equitativos e antecipam e evitam quaisquer impactos negativos sobre os grupos vulneráveis.

Portanto, a realização de análises de gênero nos permite identificar e entender as questões de gênero e como abordá-las adequadamente no planejamento, nos programas, nos projetos, nas ações, ou seja, nas políticas públicas. Bons dados e análises de gênero robustas são indispensáveis para alcançar o objetivo final da igualdade de gênero: quando todos têm condições iguais para realizar seus direitos humanos e para contribuir e se beneficiar do desenvolvimento econômico, social, cultural e político.

Dessa forma, torna imperioso a necessidade de termos análises robustas de metadados por gênero afim de que possam ser implementadas ações eivadas de uma estratégia de integração de gênero nas políticas públicas relacionadas à água e saneamento, a fim de alcançar resultados mensuráveis e impacto positivo na vida de mulheres e homens na zona rural.

REFERÊNCIAS

FUNASA – Fundação Nacional de Saúde. Institucional FUNASA. Disponível em: http://www.funasa.gov.br/web/guest/institucional. Acesso em: 30 out. 2022.

FUNASA – Fundação Nacional de Saúde. Plano Nacional de Saneamento Rural. Disponível em: http://www.funasa.gov.br/biblioteca-eletronica/publicacoes/engenharia-de-saude-publica/-/asset_publisher/ZM23z1KP6s6q/content/programa-nacional-de-saneamento-rural-pnsr-?inheritRedirect=false#:~:text=de%20estudos%20relativos%20ao%20panorama,no%20n%C3%ADvel%20federal%20de%20governo.&text=reflete%20em%20um%20programa%20com,chances%20de%20uma%20implementa%C3%A7%C3%A3o%20exitosa. Acesso em: 30 out. 2022.

FUNASA – Fundação Nacional de Saúde. Webnar: Universalizar a água é buscar a igualdade de gênero. Disponível em: Webinar: Universalizar a água é buscar a igualdade de gênero – Todas as Notícias – Fundação Nacional de Saúde. Acesso em: 29 mar. 2022.

ASSOCIAÇÃO BRASILEIRA DE NORMAS TÉCNICAS. NBR 6022: artigo em publicação periódica científica impressa: apresentação. Rio de Janeiro, 2003.

Pesquisa nacional de amostra por domicílios, IBGE, 2013, <https://www.ibge.gov.br/estatisticas/sociais/saude/19898-suplementos-pnad3.html?edicao=10528&t=resultados>;

Pesquisa nacional de saúde, IBGE, 2019, <https://www.ibge.gov.br/estatisticas/sociais/saude/9160-pesquisa-nacional-de-saude.html?=&t=o-que-e>; Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios Contínua Anual – 1ª visita, IBGE, 2019, <https://sidra.ibge.gov.br/tabela/7192>;

Water and sanitation gender strategy, The Republic of Uganda, 2018, <https://www.mwe.go.ug/sites/default/files/library/Water%20and%20Sanitation%20Gender%20Strategy.pdf>

Water: Women and men have differential roles, rights and responsibilities, revista Sustainable development news, 2018,

World Bank, 2016 – Toolkit for Mainstreaming Gender in Water Operations

 

Deborah Silva Figueiredo Roberto

*Artigo cientifico submetido à publicação acadêmica no dia 28 de dezembro de 2022 na revista “O Ponto” periódico da Universidade da Integração Internacional da Lusofonia Afro-Brasileira – UNILAB.

Últimas