Força, generosidade e uma capacidade impressionante de se reinventar diante da adversidade. É assim que podemos descrever Clara Charf, mulher brasileira que, aos 100 anos, carrega uma história marcada não apenas por episódios históricos, mas, sobretudo, por um trabalho de vida centrado na empatia, na resistência silenciosa e na busca por justiça social.
Nascida em Maceió, filha de imigrantes judeus russos, Clara aprendeu desde cedo a enfrentar as limitações impostas pelo tempo e pelo destino. Perdeu a mãe ainda jovem, e assumiu com bravura o papel de cuidadora e pilar familiar. Sua história é a de uma mulher que precisou amadurecer cedo, que buscou oportunidades onde poucas existiam para mulheres da sua época e que construiu, com sensibilidade e inteligência, uma trajetória própria.
Nos anos 1940, Clara tornou-se uma das primeiras aeromoças do país — uma função ainda cercada de preconceitos e restrições. Ela queria voar, literalmente e simbolicamente. Esse desejo pela liberdade guiou cada passo de sua vida: nos relacionamentos, nas escolhas profissionais, nos enfrentamentos e nos recomeços.
Mais tarde, quando a vida a colocou diante de perdas profundas e mudanças radicais, Clara não se isolou. No exílio, após a morte trágica do companheiro Carlos Marighella, encontrou novas formas de colaborar, acolher e continuar trabalhando por aquilo em que acreditava: uma vida melhor para todos, especialmente para as mulheres e jovens.
Sua atuação no movimento Mulheres pela Paz, a partir de 2005, é uma das mais belas expressões desse legado. Coordenou o projeto no Brasil com sensibilidade, promovendo a visibilidade de outras mulheres fortes e discretas, que transformam comunidades inteiras com seu trabalho. Ao lado de mais de 50 brasileiras, ajudou a dar voz e reconhecimento a histórias que, assim como a sua, merecem ser lembradas e honradas.
Mesmo com as limitações impostas pela idade e pela saúde, Clara mantém um brilho nos olhos e palavras que ainda inspiram. Quem convive com ela destaca seu otimismo, seu poder de escuta e sua convicção de que a justiça social começa com pequenos gestos — com empatia, com respeito e com o desejo genuíno de ver os outros vivendo melhor.
A trajetória de Clara Charf é exemplo de que a grandeza feminina muitas vezes se manifesta no silêncio dos gestos cotidianos, na escuta ativa, no trabalho invisível, mas fundamental, de cuidar, organizar e resistir.
Neste centenário, celebramos mais do que sua história: celebramos sua humanidade, seu legado de paz e sua coragem de viver com inteireza. Clara Charf é, sem dúvida, uma das grandes mulheres do Brasil — não apenas por onde esteve, mas por tudo o que construiu.