O Brasil está prestes a dar um passo importante no reconhecimento dos direitos dos animais. Uma proposta em discussão no Senado pretende reformar o Código Civil para deixar de considerar cães, gatos e outros animais como “coisas” e passar a reconhecê-los como seres sencientes — ou seja, capazes de sentir dor, medo e prazer.
A mudança pode abrir caminho para uma nova categoria jurídica, diferente dos bens e dos seres humanos, reconhecendo a subjetividade dos animais não humanos. Para o professor de Direito Civil Tagore Trajano (UFBA), essa nova classificação representa um avanço ao admitir que os animais têm experiências próprias e devem receber proteção legal correspondente.
Ainda que a proposta deixe para legislações futuras os detalhes de como o novo status será aplicado, especialistas acreditam que a medida fortalece o campo do direito animal. Um exemplo citado é a possibilidade de os bichos serem representados judicialmente por ONGs ou tutores, algo que já vem sendo defendido por juristas.
Um caso emblemático ilustra essa tendência: no Paraná, dois cães, Rambo e Spike, foram aceitos como autores de uma ação judicial após serem abandonados. Apesar da negativa em primeira instância, o tribunal superior reconheceu os maus-tratos, embora tenha negado indenização por danos morais — ainda restrita às pessoas, segundo a legislação atual.
Para a advogada Evelyne Paludo, que representou os cães, o projeto ainda é limitado. Ela alerta que, ao manter os animais dentro do regime jurídico dos bens, a proposta pode frustrar avanços importantes, especialmente se os direitos dos animais continuarem atrelados exclusivamente à dignidade humana.
Por outro lado, o professor da FGV-Rio Gustavo Kloh acredita que a proposta é um marco positivo. Para ele, mesmo com limitações, a reforma abre portas para o reconhecimento da dignidade animal e representa uma evolução gradual no sistema jurídico. “O direito caminha aos poucos, e a forma como nos relacionamos com os pets mudou drasticamente nos últimos anos”, observa.
Outro ponto importante da proposta é a previsão de que, em casos de separação conjugal, os tutores compartilhem os custos de manutenção dos animais de estimação. No entanto, o texto ainda mantém dispositivos de lógica patrimonial, como a possibilidade de penhor de animais utilizados em atividades produtivas.
Com mais de 168 milhões de animais de estimação no país, segundo a Associação Brasileira da Indústria de Produtos para Animais de Estimação, o debate sobre o status jurídico dos animais se torna cada vez mais urgente — e reflete a evolução da relação entre humanos e seus companheiros de quatro patas.