Professores brasileiros lideram uso de inteligência artificial, mas enfrentam desafios estruturais

No Dia do Professor, comemorado nesta quarta-feira (15), um dado chama atenção: os docentes brasileiros estão entre os que mais utilizam inteligência artificial (IA) em sala de aula, mesmo sem apoio institucional adequado. A constatação vem da pesquisa Talis 2024, da OCDE (Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico), que ouviu cerca de 280 mil professores de 54 países.

O estudo aponta que 56% dos professores do Ensino Fundamental II no Brasil recorrem à IA em suas atividades, superando países com educação de referência, como Coreia do Sul (43%), Dinamarca (36%) e Finlândia (27%). Em contrapartida, a média dos países da OCDE é de 36%, enquanto França lidera a lista dos menos adeptos, com apenas 14%.

Segundo a pesquisa, o uso da IA pelos professores brasileiros é marcado pela improvisação. Oito em cada dez docentes usam a tecnologia para planejar aulas e economizar tempo; 62,6% a utilizam para aprender sobre novos conteúdos ou gerar resumos; 35,6% aplicam-na na correção de trabalhos; e 64,2% aproveitam a IA para personalizar o ensino. Além disso, 53,7% a utilizam com estudantes com necessidades especiais e 39,4% para comunicação com pais.

Apesar desse protagonismo, a realidade das escolas brasileiras limita a eficácia dessa prática. Cerca de 64% dos professores relatam não ter habilidades suficientes para usar IA pedagogicamente, e 60% apontam falta de infraestrutura adequada. A tecnologia é frequentemente acessada via smartphones e redes móveis pessoais, em um esforço autodidata.

Para especialistas, a falta de preparo pode gerar consequências negativas. “Sem capacitação, a IA tende a automatizar tarefas que deveriam permanecer humanas, criando planos de aula genéricos e avaliações pouco precisas”, alerta o estudo. O professor deixa de ser maestro do aprendizado e se torna operador da máquina, comprometendo a formação crítica e emocional dos alunos.

Além dos desafios tecnológicos, a pesquisa evidencia desvalorização profissional: apenas 14% dos docentes se sentem reconhecidos socialmente e 22% estão satisfeitos com os salários. Se somados à sobrecarga de trabalho, esses fatores dificultam a dedicação à formação continuada, essencial para o uso seguro e pedagógico da IA.

Especialistas defendem políticas públicas que vão além da distribuição de equipamentos. É necessária capacitação consistente em IA, com supervisão ética, integração ao cotidiano escolar e incentivo à autonomia pedagógica. O Ministério da Educação oferece um curso de 180 horas para professores e gestores, mas a adesão é limitada pela sobrecarga de trabalho e falta de infraestrutura.

A pesquisa da OCDE mostra que os professores brasileiros têm iniciativa e curiosidade, tornando-se protagonistas de uma inovação que ainda carece de estrutura. “O Brasil é um laboratório de IA na educação, com potencial transformador que só será realizado se houver aposta clara na valorização humana do ensino e no protagonismo docente”, concluem os especialistas.

Últimas