Análise dura: o país que depende das mulheres, mas se recusa a deixá-las decidir
Há um ponto em que a política deixa de ser apenas decepcionante e passa a ser reveladora. O que estamos vendo agora é exatamente isso: a confirmação de que, no Brasil, as mulheres carregam a democracia, mas não têm permissão para conduzi-la.
Somos maioria no voto, maioria nas universidades, maioria nos serviços essenciais, maioria onde o país realmente acontece. Mas, quando chega a hora de ocupar espaços estratégicos de poder, seguimos tratadas como um detalhe incômodo, algo que pode ser ignorado sem maiores consequências.
E é essa naturalidade que escancara o problema:
ignorar mulheres virou prática institucionalizada.
Não faltam mulheres qualificadas.
Não falta preparo, não falta trajetória, não falta legitimidade.
O que falta é a disposição — e a coragem — de romper com a velha lógica que mantém o poder concentrado nos mesmos grupos, com os mesmos rostos, defendendo os mesmos interesses.
A mensagem enviada à sociedade é cruel e repetitiva:
“Mulheres, precisamos do voto de vocês, mas não da presença de vocês.”
“Precisamos da força de vocês na base, mas não da liderança de vocês no topo.”
A democracia brasileira gosta da nossa participação, mas teme a nossa decisão.
Gosta da nossa mobilização, mas evita a nossa autoridade.
Gosta de dizer que evoluiu, mas se recusa a provar isso na prática.
E eu digo isso como mulher que analisa política todos os dias, que trabalha com políticas públicas femininas e que entende o tamanho da nossa força:
não é mais possível aceitar esse ciclo como normal.
As mulheres são o alicerce invisível do país — e talvez exatamente por isso muitos ainda acreditem que podem nos deixar de fora das escolhas que importam.
Mas esse tempo acabou.
Quando mais uma indicação ignora o peso e a qualificação das mulheres, a mensagem não é apenas política — é simbólica.
Ela reafirma uma estrutura de poder que insiste em fingir que não existimos onde contamos: no topo.
E aqui vai a verdade sem enfeites:
não queremos ser lembradas. Queremos ser consideradas.
Não queremos ser convidadas. Queremos ser parte.
Não queremos aplauso. Queremos decisão.
Enquanto o país continuar empurrando as mulheres para a plateia, ele seguirá produzindo um poder que não representa a realidade e nem respeita quem sustenta esse país todos os dias.
Chegou a hora de parar de pedir espaço.
Chegou a hora de ocupar.


