Na atual cena política brasileira, duas palavras passaram a frequentar o vocabulário do Congresso Nacional com uma naturalidade quase inquietante: “blindagem” e “assuntos tóxicos”. Ambas revelam mais do que aparentam. Não são apenas expressões de ocasião, mas sintomas de uma crise de representação, em que a defesa de interesses corporativos parece se sobrepor ao compromisso com o interesse público.
A palavra blindagem, que deveria estar associada à proteção da sociedade diante de crises externas, é usada como escudo para resguardar agentes políticos de investigações e responsabilizações. Trata-se de uma política da autopreservação: proteger cargos, nomes e estruturas, enquanto os problemas urgentes do país — desigualdade, inflação, crise climática, insegurança — seguem sem resposta. Blindar, nesse contexto, não é governar; é adiar o enfrentamento de dilemas que exigem coragem.
Já a expressão assuntos tóxicos soa como um recurso retórico para empurrar debates incômodos para debaixo do tapete. Quando algo é rotulado como tóxico, ele se torna indesejado, evitado, quase proibido de ser tratado. É um mecanismo eficiente para silenciar pautas que dividem a opinião pública ou ameaçam interesses consolidados. A toxicidade, aqui, não está no tema em si, mas na incapacidade política de lidar com ele de forma transparente.
Esse vocabulário revela uma lógica de poder perigosa: um Congresso que prefere proteger-se a enfrentar, que prefere rotular do que deliberar. Enquanto isso, cresce a percepção de que as instituições funcionam mais para si mesmas do que para o cidadão comum. E esse, talvez, seja o verdadeiro veneno: a corrosão da confiança democrática.
Se a política se limitar a blindagens e silenciamentos, corre o risco de se tornar impermeável ao diálogo e surda às demandas sociais. A democracia não pode se sustentar na retórica da proteção ou na negação dos problemas. Ela se fortalece justamente quando encara os conflitos, enfrenta os temas difíceis e aceita que alguns debates, ainda que incômodos, são indispensáveis.
Em tempos de palavras fáceis e gestos calculados, resta-nos perguntar: quem, afinal, está sendo protegido — e de quem?