Pazuello diz ter caído por ser honesto

Revista Veja
Matéria: Entrevista com o ministro da Saúde.
Personagem: Eduardo Pazuello, ministro da Saúde.
Foto: Cristiano Mariz
Data: 14/07/2020
Local: Brasília – DF

No seu discurso de despedida do Ministério da Saúde, o general Eduardo Pazuello atribuiu sua queda ao excesso de honestidade. Disse ter resistido ao assédio de lobbies empresariais. Negou-se a “favorecer o partido A, B ou C.” Afirma ter sido avisado: “Ih, vai dar merda!”. Observado por servidores da pasta e por Marcelo Queiroga, seu substituto, lamentou: “É assim que funciona.” A fala de Pazuello tem potencial para produzir uma crise política na base legislativa de Jair Bolsonaro.

Feita numa cerimônia interna, a manifestação do general foi filmada. Ele disse que considera “fundamental ter um ministro médico no Ministério da Saúde.” Fez, contudo, a ressalva de que não se pode esquecer que a pasta “é alvo das pessoas políticas”. Por quê? “Por causa do dinheiro.” Pazuello foi substituído após pressão de líderes do centrão sobre Bolsonaro.

Ao esmiuçar o seu raciocínio, Pazuello identificou o que diz ser a origem de sua queda: “A operação de grana com fins políticos acontece aqui. Nós conseguimos acabar com 100%? Claro que não. Isso é impossível —100%, nem Jesus Cristo. Nós acabamos com muito. Nós distribuímos numa pequena porrada quase R$ 14 bilhões por critérios técnicos, pra atender municípios que estavam sendo impactados.”

Sem mencionar nomes, Pazuello declarou que foi a partir desse episódio que “começou a crise com a liderança política que nós temos hoje”. Que liderança? Não esclareceu. Disse apenas que o personagem “mandou uma relação pra gente atender. E nós não atendemos.”

Ao prosseguir, o general deu a entender que a encrenca ocorreu no final do ano passado: “Aí chegou, no final do ano, uma carreata de gente pedindo dinheiro politicamente.” Recursos destinados ao combate à pandemia do coronavírus. Pazuello diz ter seguido critérios epidemiológicos. “Foi isso que nós fizemos. E tome porrada.”

Pazuello disse ter enfrentado em fevereiro um complô interno. Virando-se para Queiroga, seu sucessor, alertou que receberá “tiro o tempo todo. De fora e de dentro.” Contou que um grupo de médicos lotados no ministério “tentou empurrar uma pseudo-nota técnica que nos colocaria em extrema vulnerabilidade”. Insinuou que o documento favoreceria ilegalmente o que chamou de “medicamento A, B ou C.”

“Essa nota técnica foi montada dentro do ministério, por um grupo de médicos que nós trouxemos”, afirmou Pazuello. Brecada a manobra, deflagrou-se uma reação de “oito atores”. De novo, Pazuello não cita os nomes. O general diz ter esboçado uma contraofensiva. Reuniu toda sua equipe no final de fevereiro. Puxando pela memória, mencionou o dia 27 de fevereiro. Depois, corrigiu-se: 23 de fevereiro.

“Fiz um quadrinho e mostrei todas as ações orquestradas. Distribuí missões.” Pazuello diz que, nesse encontro, previu que não duraria no cargo até 20 de março. Deu a entender que Bolsonaro sabia das conspirações que o afligiam, pois a sondagem a Marcelo Queiroga foi feita no mês passado. “Marcelo (Queiroga) já foi consultado no início de fevereiro, lá atrás”, relatou Pazuello. “…O movimento é esse,. Fechou-se o cerco.” O general repetiu: “No dia 23 de fevereiro, reuni todo mundo e disse: Nós não vamos chegar ao dia 20 de março. Não chegamos ao dia 15.”

A certa altura, Pazuello disse ter levado para o Ministério da Saúde “atributos” comuns no Exército: “Honestidade, probidade, responsabilidade, lealdade.” Disse ter encontrado no ministério outros tipos de atributos: “Relacionamento, normalmente, de composição política, direcionamento de política não sei do que… É um cargo político.”

Pazuello declarou: As pessoas começam a te olhar diferente.” Abstendo-se sempre de citar nomes, o general simula diálogos que teve como ministro: “‘Você não tem interesse?’ Não! ‘Você não quer falar com a empresa tal?’ Claro que não. ‘Você não recebe empresa?’ De jeito nenhum! ‘Pô, você não vai aceitar um cara aqui fazendo lobby?’ Não. ‘Não vamos favorecer o partido A, B ou C?’ Não. ‘E o operador do fulano e beltrano?’ Não. ‘Ih, vai dar merda!’.

” Como que decidido a demarcar a diferença em relação à promiscuidade política com a qual teve de conviver, Pazuello jactou-se de sua probidade militar. “Nós não temos conta bancária alta, nós não temos carros caros, nós não temos avião, nós não moramos no Lago Sul —desculpe quem mora—, nós moramos em casas pequenas, moramos em quarto de hotel. E andamos com carros da classe média. Somos nós militares.”

Sem perceber, o general produziu uma das mais ácidas críticas ao primogênito do seu chefe. Acusado de peculato, lavagem de dinheiro e formação de organização criminosa no caso da rachadinha, Flávio Bolsonaro comprou em janeiro uma mansão de R$ 6 milhões no Lago Sul.

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