Oito mulheres sofrem algum tipo de violência doméstica por dia no Distrito Federal. Só nos primeiros três meses do ano, 3.909 se tornaram vítimas dentro da própria casa e procuraram a polícia. As estatísticas são da Secretaria de Segurança Pública (SSP-DF) e reúnem registros que vão da agressão psicológica à física e, não raro, chegam até a morte. Especialistas são unânimes em afirmar que a cultura machista e a falta de políticas públicas para combater o crime encorajam a violência contra as mulheres.
Maria* viveu essa violência por quase quatro anos. A rotina de agressão e humilhação era presenciada pelos filhos pequenos, de 1 e 3 anos, e ela chegou a ser atingida por uma cadeira arremessada pelo ex-companheiro em um dos episódios de fúria. “No começo, era bom. Mas depois ele passou a me bater por qualquer motivo, principalmente quando estava bêbado. Bastava beber para quebrar todas as coisas dentro de casa, me ameaçava e me xingava. Um dia, fui trabalhar com o corpo todo roxo; eu tinha vergonha daquilo”, detalha.
Com a ajuda de pessoas próximas, reuniu forças e criou coragem para sair do relacionamento, mas não para denunciar, embora tivesse as evidências de que era agredida com frequência. Maria decidiu silenciar e apenas se afastar do agressor, para, segundo ela, “criar os filhos em paz”.
A socióloga Tânia Mara Campos, integrante do Núcleo de Estudos e Pesquisas sobre Mulheres (NEPeM) e professora na Universidade de Brasília (UnB), destaca que a violência contra a mulher está diretamente ligada ao machismo. É a forma de deixar claro quais lugares homens e mulheres ocupam em uma sociedade patriarcal.
“Quando alguém é desvalorizado, essa pessoa é colocada em um lugar de submissão. A violência, especialmente essa de gênero, é usada para a manutenção das vantagens masculinas, e ela é obtida pela redução moral, pela humilhação e subjugação da mulher”, comenta.
Ela também destaca que até as formas mais subjetivas de violência contra a mulher naturalizam a desigualdade de gênero, que tem como último estágio o feminicídio. “A violência também pode ser psicológica e emocional, quando a confiança dessa mulher vai sendo minada aos poucos, isso também é sintoma de uma sociedade patriarcal, que nos diz que somos mais emotivas, que somos impulsivas e mais emocionais, e que o homem é o detentor da racionalidade e dos conhecimentos. É uma construção que desvalida nossa percepção de mundo e escalona para outras violências”, ressalta.
Medo de vingança, preocupação com a criação dos filhos, crença de que aquela será a última agressão e dependência financeira são os principais motivos para o silêncio. A desembargadora Ivana David, do Tribunal de Justiça de São Paulo, ressalta que a medida protetiva é fundamental, mas não é garantia de que as mulheres terão a assistência necessária.
“Temos que avançar na forma de acolher as mulheres que estão nessa situação de violência. Muitas vezes, a mulher deixa de procurar a Justiça porque, saindo daquele ambiente, ela não tem lugar para morar, não tem emprego e não tem onde deixar os filhos para trabalhar; isso faz com que ela desista de procurar a Justiça”, comenta.
Ela destaca a necessidade de que as instituições atuem em rede para promover esse atendimento especializado. “É urgente e necessário falar sobre o tema da violência doméstica, construir uma rede de proteção para as vítimas; senão a gente não consegue interromper esse ciclo. Muitas tentam resolver sozinhas, mas não chegam ao final. O esforço tem que ser no sentido de educar, informar e encorajar essas mulheres a procurar as autoridades, a polícia e a Justiça; esse ainda é o melhor caminho para blindar as vítimas.”
*A pedido da vítima, seu nome foi ocultado na reportagem.